Diário de Bordo

Registraremos neste blog relatos diários da Profa Suely Avellar a bordo do NasH Dr. Montenegro, navegando pelo Rio Purus. Boa viagem, Suely!

Desde 1997, o acervo do Projeto Portinari tem servido
como ferramenta para um amplo programa de arte e educação, que já atingiu mais de 500 mil pessoas em todos os estados brasileiros. Para Portinari, o pincel era uma arma a serviço da não violência, da justiça social, da cidadania, da liberdade, do espírito comunitário e da fraternidade. São estes os valores que pulsam na sua obra e que o Projeto Portinari tem levado às crianças e aos jovens de todo o país.

As Crianças Ribeirinhas

Olá amigos!

Já estamos voltando para Manaus e fazendo o atendimento das populações que ficam na outra margem do rio. Venho observando atentamente as crianças e jovens adolescentes das comunidades em que estamos parando e noto que elas têm um comportamento bastante diferente das crianças com as quais estou acostumada a conviver nas escolas das cidades. São um pouco tímidas a princípio, mas logo se chegam a mim e então começam a conversar, a ouvir atentamente as minhas histórias de Candinho e a brincar com os dois fantoches – Cocó e Mimi - que trago comigo para incentivá-los a escovar os dentes.

As crianças aqui não têm brinquedos, pois a pobreza em que as famílias vivem não lhes permite tal luxo. Quando acontece de algum navio da Marinha passar trazendo doações de roupas e brinquedos elas tem acesso a esses objetos mágicos. Quando pergunto às meninas se elas têm bonecas, sempre me respondem afirmativamente, mas nunca estão com elas nas mãos e quando lhes peço para trazer as bonecas para eu ver, abaixam a cabeça, envergonhadas. Às vezes vejo os meninos com bolas de futebol, pois esse esporte eles não dispensam. A grande maioria dos meninos é flamenguista e alguns vestem as camisetas surradas do time.

Pergunto sempre se eles gostam de soltar pipas - aqui chamadas de papagaio – quando mostro a reprodução do quadro “ Meninos soltando pipa”. Todos me respondem que sim e eu pergunto como é que eles fazem os papagaios, uma vez que não eles não têm o papel de seda colorido. Então me contam que fazem as varetas com a fibra do buriti e cobrem com as sacolas de plástico que aparecem na comunidade. Fico curiosa em saber se os papagaios voam bem e eles dizem que sim, mas que só podem fazê-los quando há sacos plásticos...

Uma coisa que eu observo sempre é a maneira educada dessas crianças durante todo o tempo em que estão comigo. Falam baixo, são delicadas umas com as outras, atendem às mães logo que elas as chamam para o atendimento médico e nunca vi nenhuma delas brigando.

Levo sempre comigo além das canetinhas hidrocor, dos lápis cera e das tintas guache, lápis grafite e borrachas, pois sei que as escolas são carentes desse material. Na comunidade de Macapá eram muitas crianças e eu não tinha borrachinhas para todas elas - vale dizer que essas borrachinhas são de cores variadas e as crianças ficam encantadas com elas – sem que eu propusesse, um das meninas foi até a sua casa e trouxe uma faca, com a qual cortou as borrachas, dando um pedacinho para cada uma das crianças, solucionando o problema e satisfazendo a todas elas.

Até o momento não vi nenhuma criança brigando para pegar o material da outra e também me ajudam a recolher todo o material na hora em que eu estou me preparando para ir embora. Ninguém pega nada antes que eu diga que o material é para eles e aí é um alegria ! Distribuo tudo e ainda deixo um pouco de tinta e alguns pincéis para eles poderem continuar a pintar.

São poucas as crianças mais bem cuidadas. Em geral estão descalças, com as roupas muito velhas e com os cabelos despenteados, mas assim mesmo, são lindas!

Acho que os meninos são mais vaidosos e vejo que alguns deles descolorem tufos de cabelos com água oxigenada, deixando a cabeça com zonas avermelhadas. Alguns também colocam um produto que se parece com gel e arrepiam os cabelos, à moda dos meninos da cidade. Acho que vêem isso na televisão, pois em algumas comunidades há parabólicas e quando chega o diesel para o gerador conseguem ter eletricidade.

Ainda que tenham que viver com tão poucos bens materiais, vejo que essas crianças são felizes. A natureza lhes propicia o banho morno do rio, as árvores para subirem e se balançarem, os animais para brincarem, integrando-as ao meio em que vivem. É triste ver que elas não têm o devido o respeito dos dirigentes dos municípios aos quais essas comunidades estão ligadas, com respeito à educação e à saúde. As escolas estão em péssimas condições; a maioria delas sem professor regularmente e sem merenda. O atendimento médico é deplorável.

As crianças ribeirinhas são uma lição de vida para nós citadinos, consumistas, querendo sempre mais do que temos. Meninos e meninas que exigem dos pais cada vez mais bens de consumo deveriam ver como se é feliz com tão pouco.

Vejam nesta galeria de fotos como são lindas e felizes estes meninos e meninas ribeirinhos

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