Diário de Bordo

Registraremos neste blog relatos diários da Profa Suely Avellar a bordo do NasH Dr. Montenegro, navegando pelo Rio Purus. Boa viagem, Suely!

Desde 1997, o acervo do Projeto Portinari tem servido
como ferramenta para um amplo programa de arte e educação, que já atingiu mais de 500 mil pessoas em todos os estados brasileiros. Para Portinari, o pincel era uma arma a serviço da não violência, da justiça social, da cidadania, da liberdade, do espírito comunitário e da fraternidade. São estes os valores que pulsam na sua obra e que o Projeto Portinari tem levado às crianças e aos jovens de todo o país.

12 de novembro (manhã)


Hoje saímos bem cedo para o atendimento à comunidade Praia de Caparanã. Desta vez eram somente 5 casas flutuantes, extremamente pobres.
Poucas famílias, mas muitas crianças, que logo se aproximam de mim, quando vêem que eu tenho material para elas desenharem e livros para contar histórias. Os médicos , as dentistas e os enfermeiros montam o seu material com muita precariedade de espaço no local - a casa de uma das famílias, e começam o atendimento às crianças e adultos. Os sargentos enfermeiros levam uma quantidade enorme de medicamentos, em caixas de isopor.

O Cabo enfermeiro Costa Rocha vem trazendo no colo o bebê para a consulta médica e vacinação.

As duas dentistas, assim como os dois médicos da equipe que eu acompanho, são jovens e maravilhosos! Eles têm um carinho enorme com as crianças e ouvem os adultos com muita atenção e zelo. As Dras. Danielle e Uryana conseguem extrair dentes com "mãos de seda", usando um banquinho ou carteira escolar para o paciente se sentar. Elas têm um cuidado com a higienização de tudo que usam e o mais surpreendente é que as crianças não sangram nem choram! São duas lindas fadinhas !

Tenente dentista Danielle atendendo a uma das crianças da comunidade.

A Tenente dentista Uryana conversa com a dona da casa sobre os cuidados que as crianças devem ter com a escovação dos dentes.

Logo que as crianças acabam a consulta vão se sentando no chão para desenhar e ouvir as histórias de Candinho.

Cada família recebe um quantidade boa de escovas de dentes, pasta, fio dental e todo o medicamento necessário para as doenças, que noto , até agora , não serem graves.

A dona da casa, logo que chegamos, responde para o médico, Tenente Picarelli, quando ele lhe pergunta se está doente, que não , que está apenas “adoentada” e aí começa a desfiar uma série de queixas, com um linguajar muito peculiar. O doutor a escuta com muita atenção e carinho, para em seguida prescrever o medicamento, que lhe é fornecido para todo o tratamento.

O Tenente doutor Picarelli examina uma das crianças da casa.

O dono da casa era muito espontâneo e conversador e me contou um pouco da sua história : filho de seringueiro, ele ajudava o pai enquanto criança e , já adulto, constituiu família e foi morar na ribeira. Todos ali eram da mesma família Coelho. Irmãs, sobrinhos, primos e muitos filhos!

A casa era constituída de 3 cômodos separados: a sala espaçosa e sem mobiliário, um quarto grande onde todos dormem e uma cozinha, com um fogão a gás, novo e reluzente, aliás, como as panelas de alumínio sobre a mesa da cozinha. O chão da casa era de madeira e muito limpo.

A jovem mãe traz seu neném de menos de um mês para ser examinado e aguarda o atendimento.

Para não atrapalhar o atendimento dos médicos, fui procurar do lado fora um local para colocar o meu material. Encontrei uma espécie de varanda, ao lado de uma casa que era usada como depósito de redes, remos, coisas quebradas, junto à casa principal. Sentei-me no chão, bem junto da água e as crianças começaram a vir e fizeram uma roda junto a mim. Conversamos muito. No início elas são meio retraídas, mas bem rapidamente vão se descontraindo e falam muito, contando como é a vida ribeirinha, o que fazem na escola, como brincam e então eu mostro o livro “Menino de Brodósqui “ e vou contando as histórias de Candinho, mostrando as imagens dos quadros e dizendo que, como elas, Candinho também tinha uma infância junto à natureza, trepando em árvores, caçando passarinho, plantando bananeira, jogando futebol.

Distribuo o papel; coloco no centro da roda as tintas, os pincéis, os lápis, as canetinhas para que eles se sintam a vontade para escolher o material que quiserem para desenhar e pintar. As crianças têm uma desenvoltura impressionante para pegar os lápis e os pincéis e muita coordenação motora. Enquanto conversam comigo vão produzindo suas obras de arte.

Eu pergunto sobre a professora e elas me dizem que é um professor. Peço para irem chama-lo e vem um jovem muito simpático para conversar comigo. Ofereço o livro “Portinari- O menino de Brodosqui” e ele agradece muito e mostra que conhece Portinari.

Da mesma forma que na comunidade que visitamos ontem, nesta também encontrei dois jovens desenhistas natos. Um deles é o professor das crianças, que curiosamente se chama "Leandresson". Um jovem de 17 anos que foi estudar em um município vizinho. Tendo se formado no E.Médio , voltou para dar aula para as crianças das casas flutuantes. O outro jovenzinho, de 16 anos, me disse que o sonho dele é ser artista e que um dia ele vai deixar a comunidade para estudar em Manaus (me lembrei de Candinho).

O professor faz um desenho e o dedica a mim.

Fico com muita pena de não poder deixar o material de desenho e pintura que eu trouxe para usar com eles, pois tenho ainda muitas comunidades para visitar. Eles nunca usaram giz de cera, caneta hidrocor e muito menos, tinta guache.

No sábado abarrancaremos em um município que tem comércio e eu vou tentar comprar uma quantidade grande deste material para que as crianças possam ficar com as tintas e canetinhas que estavam usando, pois dá dó a gente recolher todo o material na hora de ir embora , deixando para eles somente o desenho que eles fizeram.


Nenhum comentário:

Postar um comentário